Ela era um tipo de droga. Uma droga de perfume bom e sorriso deslumbrante. Um vício atípico de terça-feira, daqueles que não se pode esperar da sorte.
Eu deveria ter notado que você era cilada. Te vi numa terça-feira. Ninguém é feliz às terças, Bonita. Amores de terças-feiras têm urgências em durarem somente até domingo e você não foi tão diferente.
Você gostava de artistas que deixavam uma segunda antipática com jeito de sexta, e cantava em baixo tom o contorno de um refrão. Gostava de bandas com jeito de avós, e nunca deixou de me lembrar: não cria ilusão.
Me jurava de pés juntos que não tomava coisa doce. “Só café preto, com gosto de quarta, Júlia”. Lembro do seu próprio calendário, e do quanto você sempre odiou quartas-feiras. Mas eu guardo no pote de açúcar a lembrança do ódio às quartas que você riscou quando soube que meus melhores dias caíam nelas.
Você é boa com palavras, Bonita. Por mais que não acreditasse quando eu te contava. Cada poesia de um verso conclamado era uma manhã de sábado com sol. Mesmo dizendo que ainda está aprendendo, ou que é vazia, que não sente nada.Você é desse tipo inesperado, Bonita. Um sábado de sol sustenido. E eu sempre gostei de surpresas.
Veja bem, tinha antes tudo em meu controle. E você chega assim, numa terça-feira, tirando toda autoridade. De tudo, Bonita. Porque a linha de raciocínio escorria no pé do dia quando você chegava perto demais. Com essa droga de perfume que nem cheiro de terça-feira tem. Cheiro de Moça Bonita, de dia bom, quarta-feira. O cheiro que ficou no meu pescoço, na minha roupa e em todos os dias do meu calendário. Eu sempre preferi o seu perfume ao meu.
E o seu sorriso, Bonita? As quartas poderiam estar frias, mas aí vinha você, dona de um meio-sorriso que não me deixava esquecer que os dias bons caíam quando você estava aqui.
Todo o vício que arrumei em você me faz escrever. Escrever, Bonita. Você que sabe que palavras são sagradas assim como mau-humor com costume de domingo. Eu que sempre achei perigoso escrever para outra pessoa, estou aqui escrevendo sobre o vício em você.
Você tinha um riso que ecoava dentro de você. Porque você ria, Bonita, e cuspia até o seu coração. Intensa, Moça Bonita, isso que você sempre foi. Sexta-feira de festa tentando encaixar numa quinta de manhã.
E você se lembra que eu sempre dizia que amores de terça-feira só duravam até domingo, não se lembra? Hoje é sexta-feira e eu já me encontro em abstinência.
Não esquece, Moça Bonita. Não esquece da bagunça que você fez. Deixa o fim para mais tarde e volta aos domingos. Pra arrumar minha gaveta, o meu armário, a minha vida. Faz diferente como você sempre fez.
Seu café ficou em cima da minha cabeceira e o meu vício já não se traja mais de mania. Traz seus milhares de problemas e me ajuda a anotar aí nesse seu calendário: não existe semana sem você.